ARTIGO

O óbvio, nem sempre óbvio, da agenda do saneamento básico

O saneamento básico é uma infraestrutura com impacto significativo na redução de externalidades negativas, atuando como um motor do desenvolvimento econômico, social e ambiental de um país

PRI-0906-OPINI -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-0906-OPINI - (crédito: Maurenilson Freire)

Luana Pretto presidente-executiva do Instituto Trata Brasil, engenheira civil (UFSC), com mestrado na área de análise multicritério (UFSC)

À primeira vista, a relação entre o o à água limpa na torneira e o aumento da renda do trabalhador pode parecer distante, assim como pode não ser evidente que a expansão da rede de esgoto se traduz em maior escolaridade das crianças. Mas, na verdade, faz todo sentido conectar essas questões. O saneamento básico é uma infraestrutura com impacto significativo na redução de externalidades negativas, atuando como um motor do desenvolvimento econômico, social e ambiental de um país.

Quando um domicílio ou uma comunidade tem o à água tratada e coleta e tratamento dos esgotos, uma cadeia de benefícios é ativada e se estende para toda a sociedade. Pense como uma série de efeitos colaterais positivos, que se manifestam no aumento da produtividade do trabalho, na redução da evasão escolar, na valorização de imóveis, no impulsionamento do turismo, na proteção do meio ambiente e na diminuição dos custos públicos com saúde.

Exemplificando em números, o custo-benefício da universalização do saneamento até 2040 resultaria em R$ 816 bilhões de ganhos, ou cerca de R$ 40,8 bilhões por ano. Ao garantir o básico para mais pessoas, diminuem-se as barreiras da desigualdade social, permitindo que mais cidadãos, especialmente aqueles de regiões vulneráveis, tenham a chance de ter melhores condições de vida. 

Se esmiuçarmos algumas das inumeráveis externalidades do saneamento, um estudo do Trata Brasil aponta que, entre 2021 e 2040, a economia total com a melhoria das condições de saúde da população poderá alcançar R$ 25,1 bilhões. No mesmo período, o aumento de renda do trabalho pode chegar a R$ 438 bilhões, enquanto os ganhos em renda imobiliária totalizam R$ 48 bilhões. Já o turismo deve registrar ganhos de aproximadamente R$ 80 bilhões nesse período.

A verdade é que, por trás desses números, existem situações do dia a dia que podem parecer rotineiras, mas que não são realidade para milhões de brasileiros. É garantir que um trabalhador não precise se preocupar em sair de casa para o trabalho sem conseguir tomar banho porque falta água. Que uma criança possa ir à escola sem faltar porque ficou doente por não ter água limpa para beber. Que famílias tenham, no futuro, quem sabe, a chance de comprar uma casa própria. 

É um avanço que impulsionaria diretamente a economia brasileira, com mais geração de empregos, seja por meio das novas construções para expansão do saneamento, seja pelo serviços necessários para a realização das obras. É uma dinâmica que influencia positivamente na geração de renda local e cria um ciclo virtuoso de crescimento econômico.

E, para um país, como o Brasil, que abriga tantas riquezas naturais, investir em saneamento significa também preservar a biodiversidade inigualável que temos em nossa casa. Quando o esgoto é despejado sem tratamento, ocorre uma contaminação severa nos corpos hídricos, além da deterioração da natureza, iniciando um processo de degradação ambiental que pode levar décadas para ser revertido. A conservação do meio ambiente é essencial para garantir o abastecimento de água, criar barreiras naturais contra eventos climáticos extremos e manter o equilíbrio da fauna e flora que sustentam setores desde a agricultura até o turismo.

Ignorar um potencial transformador dessa magnitude é comprometer o futuro das próximas gerações a uma realidade contínua de atraso, privação e subdesenvolvimento. Ainda cerca de 30 milhões de pessoas não têm o à água e mais de 90 milhões não têm coleta de esgoto. Todos os dias, o equivalente a 5,2 mil piscinas olímpicas de esgoto sem tratamento é despejado no meio ambiente, afetando fauna, solo e corpos hídricos. Nesse cenário, milhões de brasileiros não vivem dignamente, apenas sobrevivem. 

Nessa altura, dizer que a agenda do saneamento básico deve estar entre as prioridades dos decisores públicos é mais do que óbvio. Ainda que seja evidente, precisamos bater nessa tecla quantas vezes forem necessárias. Caso contrário, estaremos apenas agravando a realidade já precária de milhões de brasileiros que permanecem excluídos da chance de mudar a própria história.

 

Por Opinião
postado em 09/06/2025 06:00
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